Por L.C. Dias
"Houve sérios debates ao longo dos anos sobre se o capitalismo é compatível com a democracia. Se nos concentrarmos nas democracias realmente capitalistas, a questão pode ser efetivamente respondida: o capitalismo e a democracia são radicalmente incompatíveis."
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“O propósito da educação é mostrar às pessoas como aprender por si mesmos. O outro conceito de educação é doutrinação.”
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“A liberdade sem oportunidades é um presente diabólico, e negar-se a dar essas oportunidades é um crime.”
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“O quadro do mundo que é apresentado às pessoas não tem a mínima relação com a realidade, já que a verdade sobre cada assunto fica enterrada sob montanhas de mentiras”.
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“Se não acreditarmos na liberdade de expressão para as pessoas que desprezamos, não acreditamos nela para nada.”
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“Você nunca precisará de um argumento contra o uso da violência, você precisa de um argumento para usá-la.”
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“Os intelectuais têm condições de denunciar as mentiras dos governos e de analisar suas ações, suas causas e suas intenções escondidas. É responsabilidade dos intelectuais dizer a verdade e denunciar as mentiras.”
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“Censura nunca acaba para aqueles que vivenciaram a experiência. É uma marca no imaginário que afeta o indivíduo que sofreu. É para sempre.”
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“Se você assume que não existe esperança, então você garante que não haverá esperança. Se você assume que existe um instinto em direção à liberdade, então existem oportunidades de mudar as coisas”
Noam Chomsky
Vejo os princípios libertários esboçados por Chomsky - que enfatizam a defesa de uma genuína democracia - como ideias axiais para a formulação de um novo modelo de civilização pós-capitalista, atrelado a um processo progressivo de metanoia planetária.
Avram Noam Chomsky, para além de ser um conceituado linguista, é um dos mais proeminentes pensadores dos nossos tempos. Desde a política à ciência, passando pela psicologia e pela filosofia, são poucas as áreas do saber que desconhecem a figura e presença de Chomsky. O norte-americano cresceu no seio de um ambiente acadêmico e de tudo fez inspiração, somando experiências e visões diferentes e personalizadas e promovendo até conceptualizações da sua autoria sobre essas mesmas áreas. Nesse sentido, Noam Chomsky é tudo menos uma figura estanque num mundo em constante ebulição e progressão. (1)
É inegável a influência que Chomsky recebeu de seus pais, judeus liberais, de toda a família e círculo de amigos. Um conglomerado curioso de judeus, com interesses intelectuais muito variados. Uma classe trabalhadora judaica fora do comum. Muito pobre, mas com uma cultura muito rica e viva, caracterizada por um progressismo de largo espectro. Assim, nesse círculo de judeus típicos da Filadélfia da Grande Depressão, Chomsky escreveu que uma de suas primeiras memórias de infância foi ver as mulheres em greve espancadas pela polícia de choque. Aos 10 anos, escreveu no jornal da escola um breve artigo sobre a queda de Barcelona durante a Guerra Civil Espanhola. E foi assim que ele descobriu seu interesse pelo movimento anarcossindicalista. Embora possa parecer surpreendente, o fato é que Chomsky utilizou muitas vezes este evento para insistir que essas propostas seriam tão sensatas "que até mesmo uma criança de 10 anos poderia entender "e ressaltar que, se pessoas adultas e formadas não o fazem é porque os meios de educação dominantes e seu sistema de ensino os doutrinaram de forma adversa para empurrá-los a não pensar por si mesmos. (2)
Apesar de não falar diretamente sobre espiritualidade, o pensamento político de Chomsky transpira valores espirituais tais como: liberdade, igualdade, cooperação, participação, cuidado, não violência, respeito, diversidade, sinceridade, flexibilidade, etc.
Neste sentido, cabe ressaltar que as ideias políticas de Chomsky não são fruto da pura imaginação de um sonhador idealista, mas sim, das reflexões críticas da mente científica de um renomado linguista, treinado no severo ambiente acadêmico norte-americano, mas comprometido em desmascarar as artimanhas de manipulação e exploração que subjazem às políticas neoliberais. Aliás, é um ativista político reconhecido internacionalmente pelas suas duras críticas às estratégias imperialistas de dominação mundial empreendidas impiedosamente pelo seu país natal, os Estados Unidos.
Mesmo assim, no campo da política, é criticado por direitistas, esquerdistas e anarquistas, em virtude da originalidade e heterodoxia do seu pensamento, como também, da sua desvinculação ideológica a qualquer corrente política em particular. O que fica claro é que para Chomsky o anarquismo moderno é uma síntese do liberalismo e do socialismo, ou seja, busca sua inspiração no melhor do pensamento iluminista e liberal clássico. Isto é, o socialismo será liberal ou não será algo em absoluto. (2)
Neste contexto, a espiritualização da política, como meio para atingir uma metanoia planetária, não caberá a já corrompida e desgastada classe política, mas sim, ao engajamento de intelectuais inovadores, a exemplo de Chomsky, que atuarão como partícipes catalisadores da mudança, fomentadores de uma nova mentalidade, assumindo o papel de protagonistas neste capítulo final do drama planetário.
Serão os pensadores de vanguarda da modernidade tardia os responsáveis pela elaboração de um novo script civilizatório a ser encenado por todos nós, de comum acordo, em uma sociedade futura onde a meta será, conforme preconiza Chomsky: "o livre desenvolvimento de seres humanos cujos valores não são acumulação e dominação, mas independência de mente e ação, a livre associação em condições de igualdade e cooperação para alcançar objetivos comuns".
Com o intuito de propiciar uma sucinta aproximação ao ideário político de Chomsky, cito um trecho da introdução do seu livro "O Lucro ou as Pessoas", escrita por Robert W. McChesney:
"É justo que Noam Chomsky seja hoje a mais importante figura intelectual da luta pela democracia e contra o neoliberalismo em todo o mundo. Na década de 1960, nos Estados Unidos, Chomsky foi um notável crítico da guerra do Vietnã, vindo a se tornar, quem sabe, o mais incisivo analista dos métodos utilizados pela política externa norte-americana para solapar a democracia, sufocar os direitos humanos e promover os interesses da minoria rica. Na década de 1970, Noam Chomsky e Edward S. Herman iniciaram uma pesquisa sobre as atividades da mídia norte-americana a serviço dos interesses das elites e em detrimento da capacidade de efetivo exercício do autogoverno democrático por parte dos concidadãos. Manufacturing Consent, publicado em 1988, continuará sendo o ponto de partida para qualquer investigação séria sobre o papel da imprensa.
Ao longo desses anos, Chomsky, que pode ser caracterizado como um anarquista ou mais precisamente talvez como um socialista libertário, foi um opositor e crítico democrático principista, consistente e franco dos Estados e partidos políticos comunistas e leninistas. Ensinou a um número incontável de pessoas, até mesmo a mim, que a democracia é uma pedra angular, inegociável, de qualquer sociedade pós-capitalista na qual valha a pena viver ou pela qual valha a pena lutar. Ao mesmo tempo, demonstrou o absurdo de equiparar capitalismo com democracia ou de acreditar que as sociedades capitalistas, mesmo nas mais favoráveis circunstâncias, irão algum dia abrir o acesso à informação ou à tomada de decisões para além das possibilidades mais estritas e controladas. Não conheço outro autor, à exceção talvez de George Orwell, que tenha fustigado de maneira tão sistemática a hipocrisia dos dirigentes e ideólogos de ambas as sociedades, a capitalista e a comunista, que reclamam ser a sua a única forma verdadeira de democracia à disposição da humanidade.
Nos anos 1990, todos esses elementos da obra política de Chomsky – do antiimperialismo e da análise crítica da mídia aos textos sobre a democracia e o movimento dos trabalhadores – se juntaram, culminando em obras, como a presente, sobre a democracia e a ameaça neoliberal.
Chomsky contribuiu muito para fortalecer a compreensão das exigências sociais da democracia, recorrendo tanto aos antigos gregos como aos grandes pensadores das revoluções democráticas dos séculos 17 e 18. Como deixa claro, é impossível ser ao mesmo tempo proponente de uma democracia participativa e defensor do capitalismo ou de qualquer outra sociedade dividida em classes. Ao avaliar as lutas pela democracia ao longo da história, Chomsky mostra também que o neoliberalismo não é absolutamente algo de novo, senão a versão atual da longa guerra da minoria opulenta pela limitação dos direitos políticos e do poder civil da maioria.
Chomsky talvez seja também o maior crítico do mito do mercado “livre” natural, este alegre cântico sobre a economia competitiva, racional, eficiente e justa que é continuamente martelado em nossas cabeças. Como assinala Chomsky, os mercados quase nunca são competitivos. A maior parte da economia é dominada por empresas gigantescas que possuem um formidável controle sobre seus mercados e que, portanto, praticamente desconhecem aquele gênero de concorrência descrito nos livros de economia e nos discursos dos políticos. E essas empresas são, elas próprias, organizações totalitárias que funcionam com critérios não-democráticos. O fato de a economia girar em torno dessas instituições compromete gravemente a nossa capacidade de construir uma sociedade democrática.
O mito do livre mercado também sugere que os governos são instituições ineficientes que devem ser limitadas para não prejudicar a magia do mercado natural do laissez-faire. Na verdade, como Chomsky enfatiza, os governos são peças-chave no sistema capitalista moderno."
E mais adiante:
"Na verdade, a incapacidade de propiciar uma discussão sincera e honesta sobre o neoliberalismo é realmente uma das mais notáveis características da globalização. A crítica da ordem neoliberal em Chomsky realmente supera os limites da análise corrente, apesar de sua força empírica e por causa do seu compromisso com os valores democráticos. Nesse ponto, é bastante útil a análise de Chomsky do sistema doutrinário das democracias capitalistas. A mídia empresarial, a indústria das relações públicas, os ideólogos acadêmicos e a cultura intelectual em geral jogam o papel decisivo de fomentar as “ilusões necessárias” para que essa situação intolerável pareça racional, positiva e necessária, quando não necessariamente desejável. (...) O trabalho de Chomsky é um apelo direto aos ativistas democráticos pela reconstrução da nossa mídia, para que ela se abra a perspectivas e investigações anti-neoliberais e anti-grande empresa. É também um desafio a todos os intelectuais, pelo menos àqueles que afirmam ter compromisso com a democracia, para que se olhem bem no espelho e se perguntem em nome de quais interesses ou de quais valores fazem o seu trabalho.
A descrição chomskiana do controle neoliberal/empresarial da economia, da política, da imprensa e da cultura é tão poderosa e avassaladora que pode provocar em alguns leitores um sentimento de resignação. Nestes tempos de desmoralização política, alguns poderão ir além e concluir que estamos enredados neste sistema retrógrado porque, infelizmente, a humanidade é mesmo incapaz de construir uma ordem social mais humana, igualitária e democrática.
Na verdade, talvez a maior contribuição de Chomsky seja a sua insistência nas inclinações democráticas fundamentais dos povos do mundo e no potencial revolucionário implícito em tais impulsos."
Para finalizar:
"É verdade que ainda não está claro como estabelecer uma ordem pós-capitalista viável, livre e humana, idéia que guarda em si mesma algo de utópico. Mas todo progresso histórico, desde a abolição do escravismo e estabelecimento da democracia até a extinção formal do colonialismo, teve de superar, em algum momento, a idéia de sua própria impossibilidade pelo fato de nunca ter sido realizado antes. E, como Chomsky faz questão de destacar, é à atividade política organizada que devemos o grau de democracia que desfrutamos hoje, o sufrágio universal, o direito da mulher, os sindicatos, os direitos civis, as liberdades democráticas. Mesmo que a idéia de uma sociedade pós-capitalista pareça inatingível, sabemos que a atividade política dos homens pode tornar muito mais humano o mundo em que vivemos. Quando nos convencermos disso, talvez voltemos a ser capazes de pensar em construir uma economia política baseada nos princípios da cooperação... da igualdade, da autodeterminação e da liberdade individual.
Até lá, a batalha pelas mudanças sociais não é um problema hipotético. A atual ordem neoliberal gerou imensas crises políticas e econômicas, do leste da Ásia à Europa Oriental e América Latina. É frágil a qualidade de vida nas nações desenvolvidas da Eur opa, América do Norte e Japão, sociedades que passam por consideráveis turbulências. Convulsões sociais terríveis nos esperam nos próximos anos e décadas. No entanto, há muitas dúvidas acerca do resultado dessas convulsões e poucas razões para pensar que elas levarão automaticamente a um desfecho democrático e humano, o qual estará determinado pelo modo como nós, o povo, nos organizarmos, respondermos e agirmos.
Como diz Chomsky, se agirmos com a idéia de que não haverá possibilidade de mudança para melhor, estaremos garantindo que não haverá mudança para melhor. A escolha é nossa, a escolha é sua." (4)
L.C. Dias
Revisado em 27/05/2018.
Notas:
(2) O anarquismo segundo Noam Chomsky - Por J. Miguel González
(3) Noam Chomsky: propaganda e medo na política internacional
(4) O lucro ou as pessoas?: neoliberalismo e ordem global, Noam Chomsky, Editora Bertrand Brasil, 1999.
Leitura complementar:
- Será que a civilização consegue sobreviver ao capitalismo?
- Dissecando os donos do mundo com Noam Chomsky
- UOL Notícias - Coluna de Noam Chomsky
- Sobre o anarquismo, o leninismo e o capitalismo
- Os 10 princípios da concentração de riqueza e poder da plutocracia (ou Réquiem para um Sonho Americano)
- Homenagem à Catalunha: Orwell e a produção de memória sobre a Guerra Civil Espanhola
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